quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Reflexões sobre o trabalho no corte da cana-de-açúcar

ImagemI: Trabalhadores no corte da cana.

                                                        Fotografado por Beatriz dos Santos de Oliveira Feitosa em setembro de 2010.    

     
         Esta imagem contraria a ideologia que diz que quem acumulou riquezas o fez graças ao seu trabalho. Provavelmente esse trabalhador jamais se tornará um grande proprietário de terras, no entanto, desempenha uma das funções que mais trabalho humano emprega. Nesta imagem o trabalhador chega a ser confundido com a paisagem na qual desenvolve o trabalho que lhe garante uma subsistência de privações se comparada ao latifundiário dono da terra, que vive dos lucros que o desempenho do trabalhador proporciona.
          Historicamente, no Brasil, o trabalhador é contratado para empreender uma atividade que só garante sua existência a partir de um esforço que beira os limites do humano, pois de acordo com um grupo de cortadores de cana que entrevistei por ocasião da produção de minha dissertação de mestrado, a quantidade de cana a ser cortada para obter um salário razoável, varia de 250 a 300 metros diários, tendo trabalhadores que chegam a cortar 600 metros por dia, o que equivale a praticamente 10 toneladas de cana cortada.
          Quando esse trabalhador vê na precária condição de vida que leva, uma responsabilidade apenas sua, podemos dizer que este, além de ser vítima do que Bourdieu chamou de “violência simbólica”, é vitimizado por uma exploração que não pode ser vista apenas como implícita, mas escancarada na qual sua sobrevivência depende de uma carga de trabalho que em alguns casos leva a extinção de sua existência.
          Acerca da atribuição que o trabalhador dá a si mesmo Djik (2008) aponta que há um poder que é exercido e que se dá em forma de controle ou:

[...] de controle de um grupo sobre outros grupos e seus membros. Tradicionalmente, controle é definido como controle sobre as ações de outros. Se esse controle se dá também no interesse daqueles que exercem tal poder, e contra os interesses daqueles que são controlados, podemos falar de abuso de poder. Se as ações envolvidas são ações comunicativas, isto é, o discurso, então podemos, de forma mais específica, tratar do controle sobre os discursos de outros, que é uma das maneiras óbvias de como o discurso e o poder estão relacionados: [...] (DJIK, 2008:17-18)

          A realidade dos trabalhadores do açúcar já foi retratada em inúmeros trabalhos e a semelhanças até mesmo em relação a produção diária foram apontadas em outros estudos, como o de Moraes Silva (1999) que trata da expropriação de trabalhadores da região do Vale do Jequitinhonha – MG.
          Tratando a respeito das atividades desenvolvidas por essas pessoas nas usinas de cana em São Paulo. Moraes Silva aponta em seu estudo a figura do “bom cortador de cana” como sendo
aquele que tem sobre si:


[...] o controle e a disciplina no ato do trabalho, que são exercidos por um pessoal especializado: fiscais, feitores, encarregados. Estes controlam os níveis de produtividade, a qualidade do corte, a medição da cana cortada, o registro da quantidade cortada por trabalhador. [...] os trabalhadores são submetidos a uma dura disciplina, cujos resultados são o aumento dos níveis de produtividade. [...] a figura do “bom cortador de cana”,aquele que corta em torno de dez toneladas diárias.


          Os destinos desses trabalhadores, expropriados, desterritorializados, buscando manter uma identidade com seu lugar de origem, mas tendo apenas a cidade de Sonora como o espaço possível de existência, uma existência caracterizada pela sazonalidade, em que a família e tudo o que tem valor para esses trabalhadores, não passa de algo distante ao longo de suas vidas, muitas vezes tendo a existência reduzida, por conta da exigência que as atividades desenvolvidas requerem de seus corpos, submetidos a obrigações de produção que beiram o limite do não humano.

          Os destinos desses trabalhadores foram traçados, de certa forma quando historicamente, sobretudo no período posterior ao “Milagre Econômico”, houve a opção por parte do Estado brasileiro em particularizar o acesso a terra. Naquele contexto de modernização das atividades agrícolas, houve a opção pela grande propriedade que resultaram nas atuais empresas rurais altamente lucrativas nas quais a terra em si não possui valor, constituindo-se apenas em instrumento de reserva e produto para especulação com garantia de financiamentos e de empréstimos bancários.
          A itinerância desses trabalhadores pode ser percebida como fruto de uma construção histórica do Brasil que legou desemprego, exclusão, devolução de migrantes, transformação de trabalhadores em migrantes itinerantes, superexploração da força de trabalho e condições subumanas de moradia e habitação. A conclusão deste estudo abre espaço para outras interpretações acerca da vida e do mundo dessas pessoas, os caminhos que as conduziram até Sonora, foram os descaminhos históricos da formação social do Brasil, esta História poderia ter sido escrita de tantas outras formas, a partir de tantos outros pontos de vista, esperamos apenas ter contribuído com a reflexão acerca da nossa História, considerando que o passado não é um ponto acabado, mas algo que pode levar a novas reconstruções acerca da visão do mundo rural brasileiro.

* Texto produzido a partir do 3º capítulo de minha dissertação de mestrado intitulada "O DESPERTAR DE SONORA-MS: MUNDO RURAL, HISTÓRIA E MEMÓRIA DE MIGRANTES".












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