terça-feira, 18 de setembro de 2007

Breve Histórico da Agricultura Brasileira no Contexto da Expansão Agrícola.





A elevada concentração de terras, a expropriação e expulsão indígena e camponesa, o PROÁLCOOL (Programa Nacional do álcool) criado em 1975 pelo governo Geisel, os financiamentos estatais, na forma de créditos subsidiados para a grande produção, a modernização conservadora da agricultura, a super-exploração de mão-de-obra, inclusive indígena, as resistências rurais dos trabalhadores, a resistência dos remanescentes de quilombola, o apoio do Estado e do poder político local, a iniciativa privada na forma de grande propriedade, são os condicionantes gerais, que compõem a realidade que nos propomos compreender.

“(...) As nossas recordações não são os restos descoloridos de uma imagem fotográfica que reproduz fielmente a realidade, mas sim uma construção que fazemos a partir de fragmentos de conhecimento que já eram , na sua origem, interpretações da realidade e que, ao voltarmos a reuni-los reinterpretamo-lo à luz de novos pontos de vista (...)”[1]

Sendo assim, para se chegar a interpretar a realidade, há uma necessidade de investiga-la e, foi desta forma que nos propomos a contribuir para com este “fazer História”, que parta do acontecimento com tudo que tem de complexo e peculiar, não para isolá-lo como algo único, mas sim para colocar à prova o marco interpretativo e enriquece-lo ao mesmo tempo (FONTANA, 1998). Para realizarmos esta pequena construção histórica, tomamos como referência para posteriores interpretações, autores diversos, que tratam desde a questão agrária brasileira, até a questão educacional, visto que o presente trabalho se constituiu numa opção metodológica para o ensino de História.
As análises aqui realizadas privilegiam inicialmente a questão agrícola/agrária brasileira sendo que um tempo maior foi dedicado à compreensão da formação da agroindústria canavieira, caminho percorrido para que fosse possível compreender o processo de concentração de terra e de renda na região estudada, visto que a proposta metodológica de ensino apontada anteriormente é a de desenvolver um material, amparado em referenciais teóricos e pesquisa de campo que possibilitem o trabalho com as questões da História local, fortemente influenciada pela formação dos latifúndios e posteriormente de um complexo agro-industrial (CAI), o que se pretende construir é um referencial para melhor compreensão acerca da expansão econômica do Vale do Correntes, em Mato Grosso do Sul (região onde se localiza o município de Sonora) a partir da Era Vargas.
A problemática mais importante que se coloca é a de entender os problemas no campo brasileiro, especificamente na região do extremo norte do estado de Mato Grosso do Sul, na região de fronteira com o estado de Mato Grosso. A questão agrária brasileira é decorrente do processo de colonização européia empreendido a partir do século XVI[2]. Caio Prado tratou da formação latifundiária brasileira, apontando o papel do Brasil no sistema exploratório internacional no qual estava inserido e que era o de prover o mercado europeu de produtos tropicais. Para que se instalasse a lavoura canavieira, no território brasileiro, procedeu-se a uma destruição da cultura e da dignidade dos povos aqui existentes e dos negros vindos do continente africano, para trabalharem como escravos neste território. O que se seguiu a partir do nascimento da agricultura mercantil no Brasil foi o desrespeito contra o ser humano que passou a ser inserido como objeto naquele sistema econômico exploratório. A agricultura desse tipo no Brasil, teve seu início com a plantação da cana-de-açúcar que, para comportar os interesses do latifúndio, requeria vasta extensão de terra para o seu cultivo. Além disso, a escravidão do negro e do índio eram necessários para a satisfação de outros interesses mercantilistas e racistas.
A lavoura canavieira instalada no Brasil como fruto do processo de colonização e exploração, sempre esteve associada a um processo manufatureiro que resultavo no produto colonial que diferentemente de outras (café, algodão, fumo, cacau) sempre implicou na sua transformação no próprio local de implantação. A atividade fabril sempre se manteve sob controle do proprietário fundiário, desta forma foram constituídos os engenho (RAMOS, 1991), que se confundiam inicialmente com as sesmarias e caracterizou a ocupação da faixa litorânea do território brasileiro.
PRADO Jr.[3], comparou a grande propriedade açucareira com um mundo em miniatura em que se concentrou e resumiu a vida de toda uma parcela da humanidade. Desta forma, cabe falar de um “complexo rural” que tinha como centro o engenho de açúcar, unidade econômica baseada na monocultura, no latifúndio e no trabalho escravo. Houve ainda uma desvalorização da agricultura de subsistência como resultado da produção em larga escala para abastecer os mercados internacionais, o resultado imediato foi a fome da maioria da população pobre e alienada da posse da terra, visto que a produção de outros bens ficou submetida ao que ocorria com os produtos principais, ou seja a cana e o seu resultante, o açúcar.
Até princípios do século XVIII, a agricultura tomou conta do cenário brasileiro, responsável em prover os mercados europeus dos bens que estes necessitavam. A partir desse período é que se destinou a esse fim e por três quartos de século foi o centro da atenções de Portugal, representando a maior parte do cenário econômico da colônia.[4] A mineração do ouro foi a responsável pela ocupação do interior do território brasileiro. Foi o surto minerador ( ao qual não nos deteremos por não ser nosso objeto de estudo) que fez com que , parcialmente, a primeira metade do século XVIII tenha sido um período infrutífero para a agricultura brasileira, visto que houve um intenso processo de migração para as zonas mineradoras, isso somado à crise do açúcar provocada pela concorrência com o produto antilhano, após a transposição da tecnologia do fabrico pelos holandeses para aquela região.
O rápido esgotamento dos recursos minerais possibilitou um retorno da agricultura no cenários das exportações nacionais, o gênero tropical que substituiu o açúcar produzido no Brasil foi o algodão, graças aos progressos técnicos alcançados pro este produto durante o século XVIII. A cultura algodoeira deu um novo impulso ao maranhão , que de região inexpressiva se tornou uma das mais ricas e destacadas, considera-se aqui o modelo de desenvolvimento apontado anteriormente, elitista e excludente, o impulsionador desse processo foi a Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão.
Quanto à cana-de-açúcar, a principal região produtora no período passou a ser São Paulo. Para o cultivo da mesma se promoveu a devastação da mata em larga escala, propiciando o surgimento de terras estéries e de desertos. O que se pode notar nesse processo é o descaso com os recursos naturais: mata destruída e solo explorado à exaustão.
O século XIX caracterizou-se por profundas transformações, que promoveram profundas mudanças na fisionomia do país, o resultado foi a revolução na distribuição das atividades produtivas brasileira. Na segunda metade desse século o açúcar perdeu o mercado externo graças à produção em outros países do açúcar de beterraba. Como havia uma certa dificuldade em redirecionar todo o complexo produtor para outro bem, a forma encontrada foi modernizar a estrutura produtora do complexo, a atividade industrial passou a se aproveitar de toda a moderna tecnologia decorrente da Revolução Industrial, intensificou-se o processamento da cana, fazendo com que se tornasse uma “atividade propriamente capitalista”, visto que até então o modelo de capitalismo era o comercial. Com o advento do modelo industrial na Europa ocorreu, o declínio da Antigo Sistema Colonial. O interessante passou a ser a existência de um mercado livre, e neste sendo o pacto colonial que reservava à metrópole o privilégio das transações comercial não poderia ser mantido.
Para se promover esta mudança na forma capitalista de exploração no país, recorreu-se ao capital estrangeiro. Esse processo ocorrido fundamentalmente entre 1870 e 1930 promoveu uma “modernização conservadora” no campo. O latifúndio foi mantido e o Estado foi chamado a financiar a transformação do engenho burguês em engenho maiores, o que propiciou o surgimento das usinas.
O campo começou a se industrializar e aos poucos passou a ser entendido como um conjunto de atividades econômicas que incluíam a terra como meio de produção[5], sob o capitalismo, a partir daí, ocorreu gradativamente, a formação dos complexos agro-industriais, o que não resolveu o problema do abastecimento interno do país, pelo contrário. A modernização dos latifúndios e a conseqüente formação do CAIs – Complexos Agro-industriais da atualidade, aliados a modernização da agricultura, o implemento de máquina e equipamentos modernos aumentaram a produtividade das grandes propriedades (que produziam para alimentar o mercado externo), acabaram gerando exclusão social e aumentando o desemprego no campo e na cidade.
A partir de 1930, o Estado passou a controlar e direcionar melhor a cultura da cana. A fase inicial da ação do Estado no setor, está associada à crise açucareira de 1929,[6] momento que o país perdeu parcela do mercado exterior e necessitou deslocar ainda mais o açúcar produzido para o mercado interno, principalmente o açúcar nordestino, distante do principal mercado nacional, o Centro-Sul em expansão.
O retorno do Brasil ao comércio exportador, com envergadura, se deu a partir de 1960. a política que orientou o desenvolvimento da agroindústria canavieira no Brasil, nesta década, teve por objetivo o incremento das exportações de açúcar e a ampliação do parque industrial e das lavouras de cana. O favorecimento do Estado à iniciativa privada concentrada, alcançou outros setores da economia brasileira: a cultura da soja, por exemplo, assim como a cana-de-açúcar, a soja está inserida no complexo agroindustrial e recebeu o apoio do Estado que concedeu subsídios para a instalação de indústrias para o seu beneficiamento.
Durante a Ditadura Militar e a Nova República, o crédito rural subsidiado e os preços mínimos continuaram voltados primordialmente, para a modernização conservadora da agropecuária, finalmente, sob o Neoliberalismo, parcela do crédito rural ficou a cargo dos bancos privados e das agroindústrias.[7] Com a abertura econômica para o exterior, produtos agrícolas estrangeiros, ingressaram em grande quantidade no mercado nacional, criando uma crise agrícola, normalmente por serem melhores e mais baratos, mas, principalmente por causa da sobrevalorização do real frente ao dólar. Esse quadro passou a ser revertido quando a moeda brasileira sofreu brusca desvalorização frente à moeda dos Estados Unidos, de 1998 em diante.
A manutenção do PROÁLCOOL, a exportação de açúcar, o crescimento da urbanização brasileira e a adição de álcool carburante à gasolina comum são mercado e ganhos atuais para a expansão da agroindústria canavieira, mas não para os trabalhadores rurais em geral, estes continuaram enfrentando os efeitos da expansão da modernização agrária conservadora, que PALMEIRA[8] chamou de modernização perversa. Os remanescentes de quilombolas que permaneceram na região também sofreram o efeito dessa modernização conservadora. Quanto à agricultura canavieira, houve neste setor uma desvalorização do trabalho com o crescimento do número de bóias-frias. No município de Sonora que se encontra na região que é objeto do presente estudo, o desemprego é uma realidade e se reflete em seus desdobramentos na exclusão de um grande número de trabalhadores dos postos de trabalho e na presença de andarilhos no perímetro urbano.
O meio ambiente e as pessoas não ficaram imunes a todos esses acontecimentos e passaram a ser penalizados, principalmente por causa das queimadas e dos subprodutos agro-industriais, por vezes jogados sem tratamento e impunemente no meio ambiente. A polêmica sobre as queimadas da cana e os impactos ambientais por ela causados tem apressado o processo de substituição dos cortadores por máquinas que fazem a colheita da cana sem queimá-la, o que inevitavelmente irá ampliar o número de desempregados.
Neste contexto de mazela sociais provocadas pela concentração de terras e modernização conservadora da agropecuária, pode-se afirmar que a solução não está nos complexos agro-industriais. Uma boa advertência, neste sentido, se põe com o clássico PRADO Jr.:

“... o primeiro e principal passo, no momento, para sairmos dessa situação ao mesmo tempo dolorosa e humilhante para nosso país é (...) a modificação das condições reinantes no campo brasileiro e a elevação dos padrões de vida humana que nele dominam. (...)”[9]

No texto, “ A História Legal da Terra na Fronteira e a Questão da Autoridade”, FOWERAKER[10] trata da questão da ocupação de terras no Brasil, desde o período da ocupação colonial, passando pela discussão da Lei de Terras de 1850 e tratando da questão política que está intrinsecamente ligada à história legal das terras. O texto aponta o papel do posseiro nesse processo de ocupação.
Entretanto, para que seja possível tratar da questão de posse, propriedade e titulação é necessário que se compreenda a importância da terra no mundo contemporâneo, mais especificamente na sociedade brasileira atual, ressaltando-se a necessidade de fugir de um quase inexorável maniqueísmo do qual muitas vezes a tentativa de compreensão da realidade se torna vítima. Sendo assim, dentre as várias definições é necessário salientar uma mais contemporânea em que a terra é tida como: meio de produção e, considerando o caráter neoliberal que permeia todas as modernas relações, inclusive a relação do ser humano com a terra, o que se processa é a intensa mercantilização desse bem.
Nesse ponto é possível retomar a discussão acerca de posse que, no sentido original, é o resultado de um processo de ocupação a partir do qual se dá o assenhoreamento de coisa sem dono. Nesse sentido, o valor da propriedade assenhoreada seria o equivalente ao trabalho empregado na mesma, porém de acordo com o caráter neoliberal exposto anteriormente, a terra deixou de ter apenas o valor do trabalho nela empregado e passou a ser expediente de lucros através da especulação.
Aponta FOWERAKER (1982), que ocorreu uma mudança no controle das terras devolutas, que por sua vez vão para o poder da iniciativa privada para o capital particular basicamente. Ressalta-se aqui a intrínseca relação entre terra e Poder. Na medida que o Estado transfere ou simplesmente facilita a aquisição de terras para os grandes grupos de interesses econômicos particulares, acaba por diminuir as possibilidades reais de o posseiro conseguir uma propriedade legal de terra. Esse expediente fez com que determinados grupos aumentassem seu poder se utilizando muitas vezes da força para alcançar seus objetivos, burlando desta forma o que está convencionado pela sociedade (lei).
FOWERAKER aponta que[11], a história da legalização das terras em mãos de particulares, é uma história política, e neste ponto é possível retomar a discussão do poder considerando que cargos públicos também são formas de amealhar poder e de utilizar a lei em benefício próprio. O peso maior da participação do Estado e como conseqüência do poder político na decisão sobre o controle das terras brasileira ocorreu, sobretudo, na forma de fomentos, bastante intensificados pelo governo entre os anos de 1940 e 1950, e que ainda estão presentes na atualidade, sob a forma de financiamentos bancários, crédito, micro-crédito e bolsas com fins variados.
No tocante ao tema específico do presente projeto, os mencionados fomentos estatais influenciaram enormemente na conformação econômica da região, pois no ano de 1975 foi instalada no Vale do Correntes uma Companhia Agrícola, responsável por um processo de expulsão e desapropriação do pequeno produtor que resultou num processo de concentração fundiária sem precedentes na região.
A interferência do Estado brasileiro no controle e direcionamento da cultura canavieira passou a ocorrer no início dos anos de 1930[12], mas a partir de 1960esse controle se deu com maior intensidade no Centro-Oeste. COSTA[13] mostrou que esta década foi o marco histórico inicial das transformações na agricultura, promovida por um determinado modelo de sociedade que se pretendia construir, no qual uma maior produção agrícola supostamente traria resultados positivos para a estratégia de desenvolvimento adotada. E isso não foi obtido nem em Mato Grosso e em Mato Grosso do Sul, na perspectiva da maioria dos trabalhadores rurais destes estados.
A agricultura brasileira tem um problema chave, pois ao mesmo tempo que precisa fortalecer o mercado externo, necessita também aumentar a produtividade de bens de consumo interno. Porém, com a modernização conservadora da agricultura, tem-se uma redução no número de pequenas propriedades, que são as que produzem os bens de consumo interno, visto que nos “CAIs” o que prevalece é a produção em larga escala dos produtos de exportação e esses avançaram em área sobre a pequena produção. Segundo NASCIMENTO[14], o aspecto principal dessa “modernização via Estado”, promoveu uma expansão subsidiada do latifúndio, que se modernizou (mecanização, utilização de novos insumos), tornando-se capaz de produzir em larga escala, porém não houve geração de empregos correspondente e o que se efetivou foi a expulsão, quando não expropriação do trabalhador do campo. Este não é o ponto de vista de MULLER[15], para quem o complexo agro-industrial pode atender tanto o mercado externo quanto o interno na produção de gêneros de subsistência. Outro ponto de vista contrário ao de MULLER, pauta-se em PRADO Jr.[16], que ao defender a pequena propriedade, mostrou que o implemento de máquinas e equipamentos modernos (que visam principalmente a produção para abastecer o mercado externo) aumentou a exclusão social no campo, assim como o desemprego. A questão que pretendemos discutir é a degradação social, econômica e ambiental, promovida a partir do processo de concentração fundiária, promovida pela ação das frentes de expansão da fronteira agrícola, que além de privilegiar um número restrito de pessoas é prejudicial ao desenvolvimento econômico da região, na medida que a pequena propriedade que vem perdendo espaço para os CAIs é aquela que produz majoritariamente os gêneros de consumo dos quais as pessoas necessitam.
O presente estudo se pauta na análise dos processos relacionados a questões relacionadas à terra, à colonização e migração e suas relações com os conceitos de Fronteira, Zonas de Expansão, Zonas Pioneiras desenvolvidos por autores como Tânia Navarro Swain, Pierre Monbeig, Léo Waibel e José de Souza Martins em suas respectivas obras.[17]
Para Tânia Navarro Swain,

A apropriação da terra e a dominação da força de trabalho foram os pilares da concentração de riqueza no Brasil, a base do poder regional e o amparo ao Estado oligárquico. Dentro deste contexto, a pequena propriedade representa uma ameaça para o sistema estabelecido, tendo em vista o caráter monoexportador do setor dinâmico da economia que exige mão-de-obra abundante a custo pouco elevado, e novas terras férteis.(1988: 21)

Outra preocupação é entender o emprego do trabalho indígena utilizado por muitos anos na região e até que ponto foi compulsório. Estudar as condições do mesmo, que segundo consta durou até cerca de dez anos atrás. Além das relações sociais que se processam na atualidade, com a migração dos nordestinos no período das safras, e as condições sociais e econômicas da comunidade quilombola que reside na região.
As representações que são próprias da mencionada região é fruto da emergência de novos objetos no seio das questões históricas: as atitudes perante a vida e a morte, as crenças e os comportamentos religiosos, os sistemas de parentesco e as relações familiares, os rituais, as formas de sociabilidade, as modalidades de funcionamento escolar, etc.. – o que representava a constituição de novos territórios do historiador através da anexação dos territórios dos outros. Daí corolariamente, o retorno a uma das inspirações fundadoras dos primeiros Annales dos anos 30, a saber, o estudo das utensilagens mentais que o domínio de uma história dirigida antes de mais para o social tinha em certa medida relegado para segundo plano.(p.14).[18]
Sustentamos o presente estudo em autores que analisam processos relacionados a questões da terra, da colonização e migração e suas relações com os conceitos de Fronteira, Zonas de Expansão, Zonas Pioneiras desenvolvidos por autores como Tânia Navarro Swain, para quem:

A apropriação da terra e a dominação da força de trabalho foram os pilares da concentração de riqueza no Brasil, a base do poder regional e o amparo ao Estado oligárquico. Dentro deste contexto, a pequena propriedade representa uma ameaça para o sistema estabelecido, tendo em vista o caráter monoexportador do setor dinâmico da economia que exige mão-de-obra abundante a custo pouco elevado, e novas terras férteis.(1988: 21)

No tocante à compreensão sobre fronteiras utilizamos os conceitos de criados por Waibel. segundo Waibel, a questão é se ainda “temos tais zonas pioneiras no Brasil e, em caso afirmativo, onde estão localizadas (...) o que exige uma melhor definição dos conceitos de frontier e pionner” (1979: 281).
Segundo Waibel, o conceito de pioneiro.

significa mais do que o conceito de frontiersman, i.é., do indivíduo que vive numa fronteira espacial Nem o extrativista e o caçador, nem o criador de gado, podem ser considerados como pioneiros; apenas o agricultor pode ser denominado como tal, estando apto a constituir uma zona pioneira. Somente ele é capaz de transformar a mata virgem numa paisagem cultural e de alimentar um grande número de pessoas numa área pequena. (Waibel, 1979: 282 emprega o conceito de pioneiro também para indicar a introdução de melhoramentos no campo da técnica e da vida espiritual)

Esse autor afirma, ainda, que :

só falamos de uma ‘zona pioneira’ (...) quando subitamente por uma causa qualquer a expansão da agricultura se acelera, quando uma espécie de febre toma a população das imediações mais ou menos próximas e se inicia o afluxo de uma forte corrente humana (Waibel, 1979: 282).

De grande relevância ainda para o presente estudo foram algumas obra de Martins (1997), para quem o termo fronteira, no Brasil, é tratado de forma particular por geógrafos e antropólogos. Para os primeiros, como um termo que designa uma zona pioneira ou uma frente pioneira. Os segundos, sobretudo a partir dos anos cinqüenta, definiram essas frentes de deslocamento da população civilizada e das atividades econômicas de algum modo reguladas pelo mercado, como frentes de expansão.
Na tentativa de explicitar melhor essa diferença Martins (1997) apresenta a posição assumida por diferentes autores, mas, nos limites desse estudo, restringimo-nos a apresentar as considerações de Martins sobre os conceitos defendidos por Darcy Ribeiro, Pierre Monbeig, Roberto Cardoso de Oliveira, Arthur Nehl Neiva.
A designação de frentes de expansão formulada por Darcy Ribeiro, como “fronteiras de civilização”, tornou-se uso corrente até mesmo entre antropólogos, sociólogos e historiadores que não estavam trabalhando propriamente com situações de fronteira da civilização. Ela expressa a concepção de ocupação do espaço de quem tem como referência as populações indígenas, enquanto a concepção de frente pioneira não leva em conta os índios e tem como referência o empresário, o fazendeiro, o comerciante e o pequeno agricultor moderno e empreendedor.
Tais definições parecem apontar que a concepção dos antropólogos sobre a expansão é mais ampla, pois incorpora os índios, desconsiderados pelos geógrafos.
Pierre Monbeig define os índios alcançados (e massacrados) pela frente pioneira no oeste de São Paulo como precursores dessa mesma frente, como se estivessem ali transitoriamente à espera da civilização que acabaria com eles. A ênfase original de suas análises estava no reconhecimento das mudanças radicais na paisagem pela construção de ferrovias, das cidades, pela difusão da agricultura comercial em grande escala, como o café e o algodão.
A concepção de frente pioneira, para Martins,

compreende implicitamente a idéia de que na fronteira se cria o novo, nova sociabilidade, fundada no mercado e na contratualidade das relações sociais. (...) A frente pioneira é também a situação espacial e social que convida ou induz `a modernização, à formulação de novas concepções de vida, à mudança social. (Martins, 1997)

para Martins (1997), a fronteira é essencialmente o lugar da alteridade, do conflito de terras ou conflito social:

Na minha interpretação, a fronteira é essencialmente o lugar da alteridade. É isso que faz dela uma realidade singular, À primeira vista é o lugar do encontro dos que por diferentes razões são diferentes entre si, como os índios de um lado e os civilizados de outro; como os grandes proprietários de terra, de um lado e os camponeses pobres, do outro. Mas o conflito faz com que a fronteira seja essencialmente a um só tempo, um lugar de descoberta do outro e de desencontro (...) a fronteira só deixa de existir quando o conflito desaparece, quando os tempos se fundem, quando a alteridade original e mortal dá lugar à alteridade política, quando o outro se torna a parte antagônica do Nós...” (Martins, 1997).

No que diz respeito à localização das zonas pioneiras Waibel considera que

No Brasil as zonas pioneiras não são um fenômeno primário da conquista de novas terras, mas uma conseqüência da mesma. (...) Nestas áreas insuladas de mata os colonos penetraram não só a partir do leste, mas, também, do sul e do norte, e em parte do oeste, fazendo assim uma penetração pela retaguarda.(Waibel, 1997).
A partir da reflexão dos conceitos de fronteira, zonas pioneiras e zonas de expansão dos autores supramencionados, Martins (1997) se sente à vontade para fazer uma primeira datação histórica: adiante da fronteira demográfica ou da “civilização”, estão as populações indígenas que sofrem as conseqüências dos processos de expansão. Entre a fronteira demográfica e a fronteira econômica está a frente de expansão, isto é, a frente da população não incluída na fronteira econômica. Atrás da linha da fronteira econômica está a frente pioneira, dominada não só pelos agentes da civilização, mas, também, pelos agentes da modernização que se constituem em agentes da economia capitalista que vai além da economia de mercado. São agentes de mentalidade inovadora, urbana e empreendedora.
[1] FONTANA, Josep. “Reflexões sobre a História do Além do Fim da História”. in: A História para além do Fim da História, EDUSC, São Paulo, 1998.
[2] PRADO Jr., Caio. “História Econômica do Brasil”. Brasiliense, São Paulo, 43 ed. 1998.
[3] PRADO Jr. Op. Cit.
[4] PRADO Jr. Op. Cit.
[5] MULLER, Geraldo. “Cem Anos de República: notas sobre as transformações Estruturais no Campo”. In: Revista de Estudos Avançados. V.03,n.07, São Paulo, USO/ICA: set/dez, 1989.
[6] BRAY, Silvio Carlos; FERREIRA,Enéas Rente; RUAS, Davi Guilherme Gaspar. “As Políticas da Agroindústria Canavieira e o Proálcool no Brasil”. Marília, Unesp-Marília-Publicações, 2000.
[7] Bray, Op. Cit.
[8] PALMEIRA, Moacir.”Modernização, Estado e Questão Agrária”. In: Revista de Estudos Avançados. São Paulo (USP) IEA. Set/Dez. v.03,n. 07,p..87. 1989.
[9] PRADO Jr.
[10] FOWERAKER, Joe. “A luta pela terra – a economia política da fronteira pioneira no Brasil de 1930 aos dia atuais”. Rio de Janeiro:Zahar, 1982.
[11] O autor faz alusão a um problema brasileiros dos anos de 1980, que nos parece ainda muito pertinente aos problemas fundiários da atualidade. Nesta caso específico, acredita-se que o estudo desse autor é bem empregado na tentativa de compreender a formação latifundiária e excludente da região do Vale do Correntes.
[12] Bray; FERREIRA & RUAS. Op. Cit.
[13] COSTA, Dermeval Pereira da. “Um diagnóstico acerca das transformações recentes na agricultura brasileira: o caso da Usina Jaciara S/A”. Mimeo.
[14] NASCIMENTO, Flávio Antônio da Silva. “Aceleração Temporal na Fronteira: estudo do caso de Rondonópolis-MT”. Tese de doutorado, São Paulo: História/FFSCH/USP, 1997, p.01 a 25.
[15] MULLER, Geraldo. “Cem anos de República: notas sobre as transformações estruturais do campo”. In: Revista de estudos avançados, v.03,n.07, São Paulo, USP/ICA: set/dez, 1989.
[16] PRADO Jr. Op. Cit.
[17] As obras referidas são:
a)MARTINS, José de Souza. Fronteira. A degradação do outro nos confins do humano. São Paulo: Hucitec, 1997.
b)MONBEIG, Pierre. Os pioneiros. In: ____________. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. São Paulo: Hucitec-Polis, 1984. p. 139 – 164.
c)SWAIN, Tânia Navarro. Fronteiras do Paraná: da colonização à migração. Brasília: Universidade de Brasília, 1988.

WAIBEL, Léo. As zonas pioneiras do Brasil. In: ___________. Capítulos de geografia tropical e do Brasil. 2ª Ed., Rio de janeiro: FIBGE, 1979. p. 279-311.


[18] CHARTIER, Roger.“A história cultural: entre práticas e representações”. Lisboa Rio de Janeiro, DIFEL Bertran Brasil, 1990.
A EXPANSÃO ECONÔMICA DO VALE DO CORRENTES, EM MATO GROSSO DO SUL: UMA MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA PROMOVIDA PELAS FRENTES DE EXPANSÃO AGRÍCOLA (Pequena Introdução)

O tema deste trabalho é a questão da expansão agrícola, nosso objeto de estudo dentro desse tema maior é a expansão econômica do Vale do Correntes, em Mato Grosso do Sul, bem como a modernização conservadora que foi promovida pelas frentes de expansão agrícola.
Iniciamos tratando da agroindústria no Brasil, desde o período colonial, mostrando a montagem do sistema agroexportador instalado no território brasileiro.
Tratamos do cenário da agricultura no século XVIII e substituição desta em meados deste século pelo ouro, que foi o responsável pela ocupação do interior do território brasileiro.
Já no século XIX, ocorreram mudanças significativas na distribuição das atividades produtivas brasileiras, quando o açúcar perdeu mercado externo e o país modernizou a estrutura produtora do embrionário complexo agroindustrial para redirecionar a produção de outros bens. O advento do regime republicano, ainda neste século, proporcionou o crescimento econômico e a agricultura se industrializou, nasceram aí os complexos agro-industriais mais modernos.
A modernização conservadora ocorrida no setor agrícola nos anos de 1960 e 1970, provocou a expulsão dos trabalhadores rurais do campo. Esta modernização impulsionada em boa parte pelo Estado, na forma de créditos subsidiados, acabou controlando e direcionado a cultura canavieira.
Ao tratarmos da agricultura especificamente no estado de Mato Grosso do Sul, mostramos que esta esteve presente, mesmo que de forma bastante incipiente, desde o início da colonização deste estado, e com base em autores como Alcir Lenharo, mostramos que a tese de que a colônia de Mato Grosso estava isolado do restante do país é um mito que visa atribuir “heroísmo” e “virtudes” ao grupo representante do poder regional, em parte descendente e/ou de alguma forma relacionados com aqueles antepassados.
O século XVIII, em Mato Grosso, foi marcado por um período em que as atividades estavam voltadas para a mineração, o que fez com que o desenvolvimento agrícola e do pastoreio fossem inexpressivos.
A partir do século XIX, e com base em uma nova divisão internacional do trabalho, a província foi incumbida de abastecer os mercados europeus de gêneros agrícolas e demais matérias primas, foi nesse período que houve a proliferação dos núcleos açucareiros. O regime de trabalho era penoso e, pode-se dizer que se aproximou do regime escravista, pois mantinha-se sob bases compulsórias de trabalho, para sustentar baixos custos.
Nos anos de 1930, houve uma redução das agroindústrias mato-grossenses, pois o órgão criado pelo Estado (IAA) para gerir os assuntos relativos à produção de álcool não beneficiaram o Estado de Mato Grosso.
Visando aumenta a produtividade da região mato-grossense, e a sua integração no mercado nacional, foi lançado nos anos de 1930 e 1940, o programa “marcha para o Oeste”, que apregoava o deslocamento da população de trabalhadores rurais para o sertão, ou Oeste. Entretanto, o resultado dessa política de distribuição de terras resultou na formação de latifúndios, que passaram por um processo de industrialização, posteriormente com a junção de agricultura e indústria. Nesse contexto, de industrialização da agricultura, o ano de 1970, assistiu à valorização da agricultura pelo Estado, que via nesta a contribuição para a redução da crise econômica, empreendendo assim o aumento da produção de alimentos e matéria prima com o objetivo de combater a inflação e aumentar as exportações.
Com relação à agroindústria da cana, houve neste ano a criação do PROÁLCOOL, para aumentar a produção de agroenergéticos, entretanto os benefícios resultantes desse programa, foram aplicados para a satisfação dos interesses de poucos, isto com o apoio governamental, através de concessão de créditos subsidiados.
Em 1977, ocorreu a divisão do estado de Mato Grosso, e o presente estudo sobre a agroindústria canavieira se voltou para a região do vale do Correntes, onde está situado o município de Sonora, local em que, contando com os créditos estatais enumerados acima se instalou a Usina Aquárius, na atualidade chamada Companhia Agrícola Sonora Estância, beneficiada pelo processo de modernização promovido pelo Estado, se converteu em pólo expressivo dessa modernização conservadora, cuja conseqüência imediata foi a concentração de terras, a intensa pecuarização e a exclusão do trabalhador rural.
Na perspectiva do capital o processo de desenvolvimento econômico na região foi bem sucedido, porém, as contradições surgiram e as incoerências sócio-econômicas se expressam no quadro de desemprego, degradação ambiental e desrespeito com as comunidades indígenas e quilombolas.
Para realização deste estudo promovemos um debate entre várias correntes de opinião acerca do objeto de estudo além de entrevistas com indígenas mais velhos; com camponeses mais velhos expulsos e/ou expropriados do campo; com administradores de agro-indústrias da cana e da soja e frigoríficos; com engenheiros de produção das agro-indústrias; com médios e grandes proprietários de soja, cana e pecuária extensiva; com atacadistas; com trabalhadores rurais fixos, sazonais e diaristas; com o Sindicato dos Trabalhadores e com o Sindicato dos Produtores Rurais, além de entrevista com representantes de Associação Ambiental.
No decorrer do estudo, algumas dificuldades foram encontradas tais como: múltipla jornada de trabalho, recusa por parte de alguns entrevistados em dar informações. Caso não houvessem essas limitações, poderiíamos ter apresentado material mais amplo para aqueles que porventura desejarem dar continuidade aos assuntos referentes ao tema apresentado.
PEQUENO HISTÓRICO DA CONSTRUÇÃO DO SISTEMA
EDUCACIONAL E ANÁLISE DO REFLEXO DESSA CONSTRUÇÃO
NO ENSINO DE HISTÓRIA EM SONORA-MS (Pequena Introdução)


O presente estudo tem por objetivo refletir e analisar acerca da construção do processo educacional e de ensino, visando entender a crise vivida no contexto atual, bem como os reflexos desta no Ensino de História no município de Sonora – MS.
A metodologia que direcionou a pesquisa foi o materialismo dialético, bastante discutido no decorrer do estudo, pois é a mesma metodologia que sustenta o referencial curricular de Mato Grosso do Sul.
“Pequeno histórico da construção do sistema educacional e análise dos reflexos dessa construção no Ensino de História em Sonora – MS”, é fruto de uma espécie de frustração sentida enquanto profissional da educação, pois, são notórias as mudanças sociais que o mundo vem vivendo, e os reflexos dessas mudanças, sentidas pela escola não tem sido os melhores, o abismo social que separa uma massa de excluídos do direito ao básico que deveria ser permitido aos seres humanos que é o direito à vida. Discutir a educação contemporânea é pensar uma nova forma de sociedade mais justa e democrática.
A pesquisa se sustentou no campo teórico por um referencial bibliográfico de autores comprometidos com a análise do sistema educacional brasileiro, utilizando obras que tratam da construção do processo educacional ao longo da história, recorreu-se ainda, a muitas horas de navegação pela internet, e não se pode deixar de mencionar as extensas conversas com colegas professores e ainda, de pesquisa de campo com a utilização de entrevistas feitas com 10%, dos 115 professores das redes: municipal, estadual e privada, para comprovação ou refutação de idéias pré-concebidas, além de entrevistas com todos os professores de História do município mencionado.
O estudo foi dividido em três capítulos, sendo que no primeiro foi feita uma contextualização histórica do processo educacional, tratando da necessidade de organização dos primeiros grupos humanos, onde a educação não era sistematizada, mas havia necessidade de ser aprendido o que era importante para sobrevivência do grupo. Com o aperfeiçoamento das técnicas agrícolas, começaram a ser produzidos os excedentes, fato fundamentais para que se entenda o surgimento das classes sociais. Foi a partir desse período que começaram a surgir instituições ou pessoas especificamente preparadas para ensinar.
Essa tendência educacional foi se alterando a partir da fragmentação do Império Romano, pois no período posterior quem dominava o conhecimento e se responsabilizava pela educação era a Igreja Católica, que mantinha nos monastérios escolas destinadas, sobretudo à educação religiosa.
No segundo capítulo do presente estudo analisou-se o nascimento da modernidade, bem como as transformações vividas pela humanidade no período, foi a partir daí que se tratou do processo de construção do ensino no Brasil. Ressalta-se que a história do Brasil não teve início com a ocupação do território pelos portugueses, já existem indícios de organização de grupos humanos na região há pelo menos 50 mil anos, entretanto a pesquisa não se debruçou sobre este período anterior à ocupação e colonização, o recorte temporal se restringiu ao período posterior à catequização dos nativos pelo colonizador europeu. Neste capítulo procedeu-se a uma análise sucinta, mas não superficial das transformações vividas pela sociedade brasileira e a maneira como o sistema de ensino foi se adequando a essas transformações. Neste capítulo foi feita uma explanação das transformações vividas no âmbito do Ensino de História.
O terceiro capítulo trata do reflexo de todas as transformações descritas anteriormente, fazendo uma análise da crise vivida pelo sistema educacional no contexto da pós-modernidade, nesse ponto passou-se ao estudo bem específico da nossa realidade municipal, buscando mostrar até que ponto o município de sonora se insere no processo de transformações estruturais vividas pela sociedade brasileira, que no campo educacional apresenta todo um discurso de transformações sociais, apresentadas nas reflexões acerca dos referenciais curriculares do Estado de Mato Grosso do Sul, mas na prática mantém toda estrutura de manutenção da ordem estabelecida. Neste ponto do trabalho buscou-se entender até que ponto as mutações vividas pelo Ensino de História em âmbito nacional interferiram no mesmo em nível local.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO-MESTRADO EM HISTÓRIA
LINHA DE PESQUISA 1: TERRITÓRIOS E FRONTEIRAS: TEMPORALIDADES E ESPACIALIDADES.













A EXPANSÃO ECONÔMICA DO VALE DO CORRENTES, EM MATO GROSSO DO SUL : A PARTIR DA ERA VARGAS





Beatriz S. Oliveira Feitosa
















Cuiabá/MT – 2007








1) TEMA





A elevada concentração de terras, a expropriação e expulsão indígena e camponesa, o PROÁLCOOL (Programa Nacional do álcool) criado em 1975 pelo governo Geisel, os financiamentos estatais, na forma de créditos subsidiados para a grande produção, a modernização conservadora da agricultura, a super-exploração de mão-de-obra, inclusive indígena, as resistências rurais dos trabalhadores, o apoio do Estado e do poder político local, a iniciativa privada na forma de grande propriedade, são os condicionantes gerais, que compõem a realidade que nos propomos compreender.
A problemática mais importante que se coloca é a de entender os problemas no campo brasileiro, especificamente na região do extremo norte do estado de Mato Grosso do Sul, na região de fronteira com o estado de Mato Grosso. A questão agrária brasileira é decorrente do processo de colonização européia empreendido a partir do século XVI[1]. Caio Prado tratou da formação latifundiária brasileira, apontando o papel do Brasil no sistema exploratório internacional no qual estava inserido e que erro o de prover o mercado europeu de produtos tropicais. Para que se instalasse a lavoura canavieira, no território brasileiro, procedeu-se a uma destruição da cultura e da dignidade dos povos aqui existentes e dos negros vindos do continente africano, para trabalharem como escravos neste território. O que se seguiu a partir do nascimento da agricultura mercantil no Brasil foi o desrespeito contra o ser humano que passou a ser inserido como objeto naquele sistema econômico exploratório. A agricultura desse tipo no Brasil, teve seu início com a plantação da cana-de-açúcar que, para comportar os interesses do latifúndio, requeria vasta extensão de terra para o seu cultivo. Além disso, a escravidão do negro e do índio eram necessários para a satisfação de outros interesses mercantilistas e racista.
O campo começou a se industrializar e aos poucos passou a ser entendido como um conjunto de atividades econômicas que incluíam a terra como meio de produção[2], sob o capitalismo, a partir daí, ocorreu gradativamente, a formação dos complexos agro-industriais, o que não resolveu o problema do abastecimento interno do país, pelo contrário. A modernização dos latifúndios e a conseqüente formação do CAIs – Complexos Agro-industriais da atualidade, aliados a modernização da agricultura, o implemento de máquina e equipamentos modernos aumentaram a produtividade das grandes propriedades (que produza para alimentar o mercado externo), acabaram gerando exclusão social e aumentando o desemprego no campo e na cidade.
A partir de 1930, o Estado passou a controlar e dircionar melhor a cultura da cana. A fase inicial da ação do Estado no setor, está associada à crise açucareira de 1929,[3] momento que o país perdeu parcela do mercado exterior e necessitou deslocar ainda mais o açúcar produzido para o mercado interno, principalmente o açúcar nordestino, distante do principal mercado nacional, o Centro-Sul em expansão.
O retorno do Brasil ao comércio exportador, com envergadura, se deu a partir de 1960. a política que orientou o desenvolvimento da agroindústria canavieira no Brasil, nesta década, teve por objetivo o incremento das exportações de açúcar e a ampliação do parque industrial e das lavouras de cana. O favorecimento do Estado à iniciativa privada concentrada, alcançou outros setores da economia brasileira: a cultura da soja, por exemplo, assim como a cana-de-açúcar, a soja está inserida no complexo agroindustrial e recebeu o apoio do Estado que concedeu subsídios para a instalação de indústrias para o seu beneficiamento.
Durante a Ditadura Militar e a Nova República, o crédito rural subsidiado e os preços mínimos continuaram voltados primordialmente, para a modernização conservadora da agropecuária, finalmente, sob o Neoliberalismo, parcela do crédito rural ficou a cargo dos bancos privados e das agroindústrias.[4] Com a abertura econômica para o exterior, produtos agrícolas estrangeiros, ingressaram em grande quantidade no mercado nacional, criando uma crise agrícola, normalmente por serem melhores e mais baratos, mas, principalmente por causa da sobrevalorização do real frente ao dólar. Esse quadro passou a ser revertido quando a moída brasileira sofreu brusca desvalorização frente à moeda dos Estados Unidos, de 1998 em diante.
A manutenção do PROÁLCOOL, a exportação de açúcar, o crescimento da urbanização brasileira e a adição de álcool carburante à gasolina comum são mercado e ganhos atuais para a expansão da agroindústria canavieira, ma não para o trabalhadores rurais em geral, estes continuaram enfrentando os efeitos da expansão da modernização agrária conservadora, que PALMEIRA[5] chamou de modernização perversa. Quanto à agricultura canavieira, houve neste setor uma desvalorização do trabalho com o crescimento do número de bóias-frias. No município de Sonora que se encontra na região que é objeto do presente estudo, o desmprego já é uma realidade e se reflete em seus desdobramentos na exclusão de um grande número de trabalhadores dos postos de trabalho e na presença de andarilhos no perímetro urbano.
O meio ambiente e as pessoas não ficaram imunes a todos esses acontecimentos e passaram a ser penalizados, principalmente por causa das queimadas e dos subprodutos agro-industriais, por vezes jogados sem tratamento e impunemente no meio ambiente. A polêmica sobre as queimadas da cana e os impactos ambientais por ela causados tem apressado o processo de substituição dos cortadores por máquinas que fazem a colheita da cana sem queimá-la, o que inevitavelmente irá ampliar o número de desempregados.
Neste contexto de mazela sociais provocadas pela concentração de terras e modernização conservadora da agropecuária, pode-se afirmar que a solução não está nos complexos agro-industriais. Uma boa advertência, neste sentido, se põe com o clássico PRADO Jr.:

“... o primeiro e principal passo, no momento, para sairmos dessa situação ao mesmo tempo dolorosa e humilhante para nosso país é (...) a modificação das condições reinantes no campo brasileiro e a elevação dos padrões de vida humana que nele dominam. (...)”[6]




2) OBJETO


O objeto do projeto a ser desenvolvido é “Reflexos das Frentes de Colonização no Desenvolvimento Econômico da Região do Vale do Corrente no Extremo Norte do Estado de Mato Grosso do Sul”, inserido na área de História Econômica. O objeto inicial do trabalho é “ Introdução ao Estudo do Desenvolvimento da Mencionada Região”, ressaltando aí a necessidade de se compreender a formação do município de Sonora-MS, às margens do rio Corrente, limite geográfico entre os Estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.



3) OBJETIVOS


Este trabalho, tem por objetivo analisar processos relacionados a questões relacionadas à terra, à colonização e migração e suas relações com os conceitos de Fronteira, Zonas de Expansão, Zonas Pioneiras desenvolvidos por autores como Tânia Navarro Swain, Pierre Monbeig, Léo Waibel e José de Souza Martins em suas respectivas obras.[7]
Para Tânia Navarro Swain,

A apropriação da terra e a dominação da força de trabalho foram os pilares da concentração de riqueza no Brasil, a base do poder regional e o amparo ao Estado oligárquico. Dentro deste contexto, a pequena propriedade representa uma ameaça para o sistema estabelecido, tendo em vista o caráter monoexportador do setor dinâmico da economia que exige mão-de-obra abundante a custo pouco elevado, e novas terras férteis.(1988: 21)


Diante disso, objetiva-se estudar a história da região do Vale do correntes onde teve início o município de Sonora-MS, através de coleta de dados, recorrendo a pesquisa minuciosa sobre o tema da agricultura (que ao lado da pecuária é a atividade motora da região).
Outra preocupação é entender o emprego do trabalho indígena utilizado por muitos anos na região e até que ponto foi compulsório. Estudar as condições do mesmo, que segundo consta durou até cerca de dez anos atrás. Além das relações sociais que se processam na atualidade, com a migração dos nordestinos no período das safras.
Estudar os problemas ambientais decorrente da ação da agroindústria estabelecida na região (poluição do ar, água, solo).
Deseja-se ainda, compreender como através de subsídios concedidos pelo estado, promoveu-se uma concentração de terras e de renda, com a consequente expulsão do pequeno produtor e sua proletarização.
Ressalta-se ainda, a importância de estudar essas problemáticas considerando o espaço de representações que é própria da mencionada região pois é notória a emergência de novos objetos no seio das questões históricas: as atitudes perante a vida e a morte, as crenças e os comportamentos religiosos, os sistemas de parentesco e as relações familiares, os rituais, as formas de sociabilidade, as modalidades de funcionamento escolar, etc.. – o que representava a constituição de novos territórios do historiador através da anexação dos territórios dos outros. Daí corolariamente, o retorno a uma das inspirações fundadoras dos primeiros Annales dos anos 30, a saber, o estudo das utensilagens mentais que o domínio de uma história dirigida antes de mais para o social tinha em certa medida relegado para segundo plano.(p.14).[8]



4) JUSTIFICATIVAS


No final do século XIX, ocorreram mudanças significativas na distribuição das atividades produtivas brasileira, quando o açúcar perdeu mercado externo e o país modernizou a estrutura produtora do embrionário complexo agroindustrial para redirecionar a produção de outros bens. O advento do regima republicano, ainda neste século, proporcionou o crescimento econômico e a agricultura se industrializou, dando origem aos complexos agro-industriais mais modernos.
A modernização conservadora ocorrida no setor agrícola nas décadas de 1960 e 1970, provocou a expulsão dos trabalhadores rurais do campo. Esta modernização impulsionada em boa parte pelo Estado, na forma de créditos subsidiados, acabou controlando e direcionado a cultura canavieira.
Quanto ao Estado de Mato Grosso (no período anterior à divisão que deu origem ao Estado de Mato Grosso do Suol), constatou-se que a agricultura esteve presente sempre, mesmo que de forma bastante incipiente, desde o início da colonização. Considerando que:
“Durante todo o período colonial, o principal produtos de exportação de Mato Grosso foi o ouro. Embora a lavoura de cana-de-açúcar e a criação de gado tivessem sido introduzidas na região ainda na década de trinta do século XVIII, nenhuma dessas atividades conseguira desenvolver-se o suficiente para atingir a exportação. (...)”[9]

Com base em LENHARO[10], foi possível constatar que a tese de que a colônia de Mato Grosso estava isolada do restante do país é um mito que visa atribuir “heroísmos” e “virtudes” ao grupo representante do poder regional, em parte descendente ou de alguma forma relacionado com aqueles antepassados.
O século XVIII, em Mato Grosso, foi marcado por um período em que as atividades estavam voltadas para a mineração, o que fez com que o desenvolvimento agrícola e de pastoreio fossem inexpressivos.
A partir do final do século XIX, e com base em uma nova divisão internacional do trabalho, a província foi incumbida de abastecer os mercados europeus de gêneros agrícolas e demais matéria primas, foi nesse período que ocorreu a proliferação dos núcleos açucareiros. O regime de trabalho era penoso e, pode-se dizer que se aproximou do regime escravista, pois se mantinha sob bases compulsórias de trabalho, para sustentar baixos custos.
Nos anos de 1930, houve uma redução das agroindústrias mato-grossenses, pois o Instituto do Açúcar e do Álcool –IAA, criado pelo Estado para gerir os assuntos relativos à produção de álcool não beneficiaram o Estado de Mato Grosso.
Visando aumentar a produtividade da região e a sua integração no mercado nacional, foi lançado nos anos de 1930 e 1940, o programa “Marcha para o Oeste”, que apregoava o deslocamento da população de trabalhadores rurais nordestinos para o sertão ou Oeste. O resultado dessa política de distribuição de terras resultou na formação de latifúndios ao lado dos lotes coloniais que passaram por um processo de industrialização da agricultura a partir dos anos de 1980. A década de 1980 assistiu a valorização da agricultura pelo Estado, que via nesta a contribuição para a redução da crise econômica, empreendendo assim o aumento da produção de alimentos e matérias primas com o objetivo de combater a inflação e aumentar as exportações, sobretudo para honrar o serviço da Dívida Externa.
Com relação à agroindústria da cana, foi criado neste período o PROÁLCOOL, para aumentar a produção de agroenergéticos no sentido de se enfrentar a crise energética favorecendo o latifúndio, entretanto os benefícios resultantes desse programa foram aplicados para a satisfação dos interesses de poucos, isto com o apoio governamental, através de concessão de créditos subsidiados e garantia de preços mínimos.
A região a ser estudada foi palco de um processo de transformação, sobretudo graças ao processo de divisão do Estado em 1977. Nota-se que na mencionada região ocorreu um processo de modernização conservadora da agropecuária[11], cuja conseqüência imediata foi o aumento da concentração de terras em detrimento do trabalhador rural, inclusive dos grupos indígenas, cuja mão-de-obra foi largamente utilizada por um tempo significativo na região.
Na perspectiva do Capital, o processo de desenvolvimento econômico nessa região de fronteiras foi bem sucedido, porém, as contradições surgiram, e as incoerências sócio-econômicas se expressam no quadro de desemprego, degradação ambiental e desrespeito com as comunidades indígenas. Nos propomos explicar tal processo, na perspectiva científica e da comunidade regional.


5) PROBLEMATIZAÇÃO


No texto, “ A História Legal da Terra na Fronteira e a Questão da Autoridade”, FOWERAKER[12] trata da questão da ocupação de terras no Brasil, desde o período da ocupação colonial, passando pela discussão da Lei de Terras de 1850 e tratando da questão política que está intrinsecamente ligada à história legal das terras. O texto aponta o papel do posseiro nesse processo de ocupação.
Entretanto, para que seja possível tratar da questão de posse, propriedade e titulação é necessário que se compreenda a importância da terra no mundo contemporâneo, mais especificamente na sociedade brasileira atual, ressaltando-se a necessidade de fugir de um quase inexorável maniqueísmo do qual muitas vezes a tentativa de compreensão da realidade se torna vítima. Sendo assim, dentre as várias definições é necessário salientar uma mais contemporânea em que a terra é tida como: meio de produção e, considerando o caráter neoliberal que permeia todas as modernas relações, inclusive a relação do ser humano com a terra, o que se processa é a intensa mercantilização desse bem.
Nesse ponto é possível retomar a discussão acerca de posse que, no sentido original, é o resultado de um processo de ocupação a partir do qual se dá o assenhoreamento de coisa sem dono. Nesse sentido, o valor da propriedade assenhoreada seria o equivalente ao trabalho empregado na mesma, porém de acordo com o caráter neoliberal exposto anteriormente, a terra deixou de ter apenas o valor do trabalho nela empregado e passou a ser expediente de lucros através da especulação.
Aponta FOWERAKER (1982), que ocorreu uma mudança no com trole das terras devolutas, que por sua vez vão para o poder da iniciativa privada para o capital particular basicamente. Ressalta-se aqui a intrínseca relação entre terra e Poder. Na medida que o Estado transfere ou simplesmente facilita a aquisição de terras para os grandes grupos de interesses econômicos particulares, acaba por diminuir as possibilidades reais de o posseiro conseguir uma propriedade legal de terra. Esse expediente fez com que determinados grupos aumentassem seu poder se utilizando muitas vezes da força para alcançar seus objetivos, burlando desta forma o que está convencionado pela sociedade (lei).
FOWERAKER aponta que[13], a história da legalização das terras em mãos de particulares, é uma história política, e neste ponto é possível retomar a discussão do poder considerando que cargos públicos também são formas de amealhar poder e de utilizar a lei em benefício próprio. O peso maior da participação do Estado e como conseqüência do poder político na decisão sobre o controle das terras brasileira ocorreu, sobretudo, na forma de fomentos, bastante intensificados pelo governo entre os anos de 1940 e 1950, e que ainda estão presentes na atualidade, sob a forma de financiamentos bancários, crédito, micro-crédito e bolsas com fins variados.
No tocante ao tema específico do presente projeto, os mencionados fomentos estatais influenciaram enormemente na conformação econômica da região, pois no ano de 1975 foi instalada no Vale do Correntes uma Companhia Agrícola, responsável por um processo de expulsão e desapropriação do pequeno produtor que resultou num processo de concentração fundiária sem precedentes na região.
A interferência do Estado brasileiro no controle e direcionamento da cultura canavieira passou a ocorrer no início dos anos de 1930[14], mas a partir de 1960esse controle se deu com maior intensidade no Centro-Oeste. COSTA[15] mostrou que esta década foi o marco histórico inicial das transformações na agricultura, promovida por um determinado modelo de sociedade que se pretendia construir, no qual uma maior produção agrícola supostamente traria resultados positivos para a estratégia de desenvolvimento adotada. E isso não foi obtido nem em Mato Grosso e em Mato Grosso do Sul, na perspectiva da maioria dos trabalhadores rurais destes estados.
A agricultura brasileira tem um problema chave, pois ao mesmo tempo que precisa fortalecer o mercado externo, necessita também aumentar a produtividade de bens de consumo interno. Porém, com a modernização conservadora da agricultura, tem-se uma redução no número de pequenas propriedades, que são as que produzem os bens de consumo interno, visto que nos “CAIs” o que prevalece é a produção em larga escala dos produtos de exportação e esses avançaram em área sobre a pequena produção. Segundo NASCIMENTO[16], o aspecto principal dessa “modernização via Estado”, promoveu uma expansão subsidiada do latifúndio, que se modernizou (mecanização, utilização de novos insumos), tornando-se capaz de produzir em larga escala, porém não houve geração de empregos correspondente e o que se efetivou foi a expulsão, quando não expropriação do trabalhador do campo. Este não é o ponto de vista de MULLER[17], para quem o complexo agro-industrial pode atender tanto o mercado externo quanto o interno na produção de gêneros de subsistência. Outro ponto de vista contrário ao de MULLER, pauta-se em PRADO Jr.[18], que ao defender a pequena propriedade, mostrou que o implemento de máquinas e equipamentos modernos (que visam principalmente a produção para abastecer o mercado externo) aumentou a exclusão social no campo, assim como o desemprego. A questão que pretendemos discutir é a degradação social, econômica e ambiental, promovida a partir do processo de concentração fundiária, que além de privilegiar um número restrito de pessoas é prejudicial ao desenvolvimento econômico da região, na medida que a pequena propriedade que vem perdendo espaço para os CAIs é aquela que produz majoritariamente os gêneros de consumo dos quais as pessoas necessitam.



6) HIPÓTESES


Houve na região a expulsão do índio e do trabalhador rural, pequeno proprietário e posseiro do campo para a instalação da agroindústria canavieira, da soja, além de criação extensiva de gado na região, para que o latifúndio em primeiro lugar se reproduzisse como parte da tradicional estrutura fundiária brasileira e depios se modernizasse, concentrando mais terras, riqueza e poder.
O trabalho indígena , em condições bastante insalubres, deve ter se constituído como elemento de acumulação primitiva, o que mostra descaso com qusetões sociais e com os direitos do ser humano.
Graves problemas ambientais, como queimadas nos canaviais e utilização indiscriminada de herbicidas e inseticidas nas fazendas da região. A acumulação da elite regional nos termos colocados vem promovendo a degradação humana (precarização do trabalho e desemprego) e ambiental (desmatamento, queimada, poluição hídrica).



7) LEITURAS DE REFERÊNCIA


Para o desenvolvimento do presente projeto, sustentamo-nos em termos bibliográficos em autores que analisam processos relacionados a questões da terra, da colonização e migração e suas relações com os conceitos de Fronteira, Zonas de Expansão, Zonas Pioneiras desenvolvidos por autores como Tânia Navarro Swain, para quem:

A apropriação da terra e a dominação da força de trabalho foram os pilares da concentração de riqueza no Brasil, a base do poder regional e o amparo ao Estado oligárquico. Dentro deste contexto, a pequena propriedade representa uma ameaça para o sistema estabelecido, tendo em vista o caráter monoexportador do setor dinâmico da economia que exige mão-de-obra abundante a custo pouco elevado, e novas terras férteis.(1988: 21)

No tocante à compreensão sobre fronteiras utilizamos os conceitos de criados por Waibel. segundo Waibel, a questão é se ainda “temos tais zonas pioneiras no Brasil e, em caso afirmativo, onde estão localizadas (...) o que exige uma melhor definição dos conceitos de frontier e pionner” (1979: 281).
Segundo Waibel, o conceito de pioneiro.

significa mais do que o conceito de frontiersman, i.é., do indivíduo que vive numa fronteira espacial Nem o extrativista e o caçador, nem o criador de gado, podem ser considerados como pioneiros; apenas o agricultor pode ser denominado como tal, estando apto a constituir uma zona pioneira. Somente ele é capaz de transformar a mata virgem numa paisagem cultural e de alimentar um grande número de pessoas numa área pequena. (Waibel, 1979: 282 emprega o conceito de pioneiro também para indicar a introdução de melhoramentos no campo da técnica e da vida espiritual)

Esse autor afirma, ainda, que :

só falamos de uma ‘zona pioneira’ (...) quando subitamente por uma causa qualquer a expansão da agricultura se acelera, quando uma espécie de febre toma a população das imediações mais ou menos próximas e se inicia o afluxo de uma forte corrente humana (Waibel, 1979: 282).
De grande relevância ainda para o presente estudo foram algumas obra de Martins (1997), para quem o termo fronteira, no Brasil, é tratado de forma particular por geógrafos e antropólogos. Para os primeiros, como um termo que designa uma zona pioneira ou uma frente pioneira. Os segundos, sobretudo a partir dos anos cinqüenta, definiram essas frentes de deslocamento da população civilizada e das atividades econômicas de algum modo reguladas pelo mercado, como frentes de expansão.
Na tentativa de explicitar melhor essa diferença Martins (1997) apresenta a posição assumida por diferentes autores, mas, nos limites desse estudo, restringimo-nos a apresentar as consideraçõers de Martins sobre os conceitos defendidos por Darcy Ribeiro, Pierre Monbeig, Roberto Cardoso de Oliveira, Arthur Nehl Neiva.
A designação de frentes de expansão formulada por Darcy Ribeiro, como “fronteiras de civilização”, tornou-se uso corrente até mesmo entre antropólogos, sociólogos e historiadores que não estavam trabalhando propriamente com situações de fronteira da civilização. Ela expressa a concepção de ocupação do espaço de quem tem como referência as populações indígenas, enquanto a concepção de frente pioneira não leva em conta os índios e tem como referência o empresário, o fazendeiro, o comerciante e o pequeno agricultor moderno e empreendedor.
Tais definições parecem apontar que a concepção dos antropólogos sobre a expansão é mais ampla, pois incorpora os índios, desconsiderados pelos geógrafos.
Pierre Monbeig define os índios alcançados (e massacrados) pela frente pioneira no oeste de São Paulo como precursores dessa mesma frente, como se estivessem ali transitoriamente à espera da civilização que acabaria com eles. A ênfase original de suas análises estava no reconhecimento das mudanças radicais na paisagem pela construção de ferrovias, das cidades, pela difusão da agricultura comercial em grande escala, como o café e o algodão.
A concepção de frente pioneira, para Martins,

compreende implicitamente a idéia de que na fronteira se cria o novo, nova sociabilidade, fundada no mercado e na contratualidade das relações sociais. (...) A frente pioneira é também a situação espacial e social que convida ou induz `a modernização, à formulação de novas concepções de vida, à mudança social. (Martins, 1997)
para Martins (1997), a fronteira é essencialmente o lugar da alteridade, do conflito de terras ou conflito social:

Na minha interpretação, a fronteira é essencialmente o lugar da alteridade. É isso que faz dela uma realidade singular, À primeira vista é o lugar do encontro dos que por diferentes razões são diferentes entre si, como os índios de um lado e os civilizados de outro; como os grandes proprietários de terra, de um lado e os camponeses pobres, do outro. Mas o conflito faz com que a fronteira seja essencialmente a um só tempo, um lugar de descoberta do outro e de desencontro (...) a fronteira só deixa de existir quando o conflito desaparece, quando os tempos se fundem, quando a alteridade original e mortal dá lugar à alteridade política, quando o outro se torna a parte antagônica do Nós...” (Martins, 1997).

No que diz respeito à localização das zonas pioneiras Waibel considera que

No Brasil as zonas pioneiras não são um fenômeno primário da conquista de novas terras, mas uma conseqüência da mesma. (...) Nestas áreas insuladas de mata os colonos penetraram não só a partir do leste, mas, também, do sul e do norte, e em parte do oeste, fazendo assim uma penetração pela retaguarda.(Waibel, 1997).

A partir da reflexão dos conceitos de fronteira, zonas pioneiras e zonas de expansão dos autores supramencionados, Martins (1997) se sente à vontade para fazer uma primeira datação histórica: adiante da fronteira demográfica ou da “civilização”, estão as populações indígenas que sofrem as conseqüências dos processos de expansão. Entre a fronteira demográfica e a fronteira econômica está a frente de expansão, isto é, a frente da população não incluída na fronteira econômica. Atrás da linha da fronteira econômica está a frente pioneira, dominada não só pelos agentes da civilização, mas, também, pelos agentes da modernização que se constituem em agentes da economia capitalista que vai além da economia de mercado. São agentes de mentalidade inovadora, urbana e empreendedora.


8) METODOLOGIA


1) Técnicas e procedimentos de pesquisa.
a) Entrevistas com indígenas mais velhos;
b) Entrevistas com camponeses mais velhos expulsos e/ou expropriados do campo;
c) Entrevistas com administradores de agro-indústrias da cana e da soja e frigoríficos;
d) Entrevistas com engenheiros de produção das agro-indústrias;
e) Entrevistas com médios e grandes proprietários de soja, cana e pecuária extensiva;
f) Entrevistas com atacadistas;
g) Entrevistas com Empaer e Emater;
h) Entrevistas com trabalhadores rurais fixos, sazonais e diaristas;
i) Entrevista com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais;
j) Entrevistas com o Sindicato dos Produtores Rurais;
k) Entrevistas com médicos do SUDS;
l) Entrevistas com pacientes do SUDS;
m) Entrevista com representantes de Associação Ambiental.
2) Debate entre várias correntes de opinião acerca do objeto de estudo.


9) BIBLIOGRAFIA


BRAY, Silvio Carlos; FERREIRA,Enéas Rente; RUAS, Davi Guilherme Gaspar. “As Políticas da Agroindústria Canavieira e o Proálcool no Brasil”. Marília, Unesp-Marília-Publicações, 2000.
CHARTIER, Roger.“A história cultural: entre práticas e representações”. Lisboa Rio de Janeiro, DIFEL Bertran Brasil, 1990.
COSTA, Dermeval Pereira da. “Um diagnóstico acerca das transformações recentes na agricultura brasileira: o caso da Usina Jaciara S/A”. Mimeo.
FOWERAKER, Joe. “A luta pela terra – a economia política da fronteira pioneira no Brasil de 1930 aos dia atuais”. Rio de Janeiro:Zahar, 1982.
LENHARO, Alcir. “Crise e Mudança na Frente de Colonização”. NDIHR-UFMT, Cuiabá-MT, 1982.
MARTINS, José de Souza. Fronteira. A degradação do outro nos confins do humano. São Paulo: Hucitec, 1997.
MONBEIG, Pierre. Os pioneiros. In: ____________. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. São Paulo: Hucitec-Polis, 1984. p. 139 – 164.
MULLER, Geraldo. “Cem anos de República: notas sobre as transformações estruturais do campo”. In: Revista de estudos avançados, v.03,n.07, São Paulo, USP/ICA: set/dez, 1989.
NASCIMENTO, Flávio Antônio da Silva. “Aceleração Temporal na Fronteira: estudo do caso de Rondonópolis-MT”. Tese de doutorado, São Paulo: História/FFSCH/USP, 1997, p.01 a 25.
PALMEIRA, Moacir.”Modernização, Estado e Questão Agrária”. In: Revista de Estudos Avançados. São Paulo (USP) IEA. Set/Dez. v.03,n. 07,p..87. 1989.
PRADO Jr., Caio. “História Econômica do Brasil”. Brasiliense, São Paulo, 43 ed. 1998.
SWAIN, Tânia Navarro. Fronteiras do Paraná: da colonização à migração. Brasília: Universidade de Brasília, 1988.
VOLPATO, Luiza Rios Ricci. “A Conquista da Terra no Universo da Pobreza”. São Paulo:Hucitec, 1987.
WAIBEL, Léo. As zonas pioneiras do Brasil. In: ___________. Capítulos de geografia tropical e do Brasil. 2ª Ed., Rio de janeiro: FIBGE, 1979. p. 279-311.

[1] PRADO Jr., Caio. “História Econômica do Brasil”. Brasiliense, São Paulo, 43 ed. 1998.
[2] MULLER, Geraldo. “Cem Anos de República: notas sobre as transformações Estruturais no Campo”. In: Revista de Estudos Avançados. V.03,n.07, São Paulo, USO/ICA: set/dez, 1989.
[3] BRAY, Silvio Carlos; FERREIRA,Enéas Rente; RUAS, Davi Guilherme Gaspar. “As Políticas da Agroindústria Canavieira e o Proálcool no Brasil”. Marília, Unesp-Marília-Publicações, 2000.
[4] Bray, Op. Cit.
[5] PALMEIRA, Moacir.”Modernização, Estado e Questão Agrária”. In: Revista de Estudos Avançados. São Paulo (USP) IEA. Set/Dez. v.03,n. 07,p..87. 1989.
[6] PRADO Jr.
[7] As obras referidas são:
a)MARTINS, José de Souza. Fronteira. A degradação do outro nos confins do humano. São Paulo: Hucitec, 1997.
b)MONBEIG, Pierre. Os pioneiros. In: ____________. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. São Paulo: Hucitec-Polis, 1984. p. 139 – 164.
c)SWAIN, Tânia Navarro. Fronteiras do Paraná: da colonização à migração. Brasília: Universidade de Brasília, 1988.

WAIBEL, Léo. As zonas pioneiras do Brasil. In: ___________. Capítulos de geografia tropical e do Brasil. 2ª Ed., Rio de janeiro: FIBGE, 1979. p. 279-311.


[8] CHARTIER, Roger.“A história cultural: entre práticas e representações”. Lisboa Rio de Janeiro, DIFEL Bertran Brasil, 1990.



[9] VOLPATO, Luiza Rios Ricci. “A Conquista da Terra no Universo da Pobreza”. São Paulo:Hucitec, 1987.
[10] LENHARO, Alcir. “Crise e Mudança na Frente de Colonização”. NDIHR-UFMT, Cuiabá-MT, 1982.
[11] PALMEIRA, Moacir. “Modernização, Estado e Questão Agrária” in: Revista de Estudos Avançados, São Paulo:IEA(USP), v.03, n.07, set/dez, 1989.
[12] FOWERAKER, Joe. “A luta pela terra – a economia política da fronteira pioneira no Brasil de 1930 aos dia atuais”. Rio de Janeiro:Zahar, 1982.
[13] O autor faz alusão a um problema brasileiros dos anos de 1980, que nos parece ainda muito pertinente aos problemas fundiários da atualidade. Nesta caso específico, acredita-se que o estudo desse autor é bem empregado na tentativa de compreender a formação latifundiária e excludente da região do Vale do Correntes.
[14] Bray; FERREIRA & RUAS. Op. Cit.
[15] COSTA, Dermeval Pereira da. “Um diagnóstico acerca das transformações recentes na agricultura brasileira: o caso da Usina Jaciara S/A”. Mimeo.
[16] NASCIMENTO, Flávio Antônio da Silva. “Aceleração Temporal na Fronteira: estudo do caso de Rondonópolis-MT”. Tese de doutorado, São Paulo: História/FFSCH/USP, 1997, p.01 a 25.
[17] MULLER, Geraldo. “Cem anos de República: notas sobre as transformações estruturais do campo”. In: Revista de estudos avançados, v.03,n.07, São Paulo, USP/ICA: set/dez, 1989.
[18] PRADO Jr. Op. Cit.

HISTÓRIA E MÚSICA


Sugestão didática para trabalho com Música e História.
O material a seguir foi trabalhado em sala de turmas de 3ª Série do Ensino Médio na disciplina de História sob minha orientação. O conteúdo exposto faz alusão a um álbum musical intitulado "Cantando a História" do grupo vocal Garganta Profunda, baseado no livro "Brasil Século XX - Ao Pé da Letra da Canção Popular" de Luciana Salles Worms e Wellington Borges Costa.
A meu ver a contextualização histórico-musical que foi criada no álbum é uma mostra do quanto o ensino de história pode mudar as posturas de alunos em diversos níveis de ensino a proposta aqui apresentada é uma mudança de postura cultural que prime pela valorização da canções brasileiras, apresentando ao jovem a riqueza cultural do Brasil que passa bem longe daquilo que a mídia veicula ao grande público. Penso que esse é o papel da escola, trabalhando com essa postura de transformação, acredito que seja possível dar condições para o desenvolvimento do sujeito histórico, não alienado e que tenha opinião.
Ao longo do desenvolvimento da atividade os alunos poderão perceber que as criações musicais são fruto de um processo histórico, portanto que o estudo de História não se restringe a coisas mortas e a um passado sem sentido, essa ciência é vida e seu objeto é o ser humano, homens e mulheres numa trajetória de lutas e mudanças ao longo do tempo.
Fica aqui uma sugestão didática que segundo comprovada experiência faz muito sucesso entre o público estudantil.

HISTÓRIA E MÚSICA
* Boa parte da produção a seguir foi retirado do álbum musical "Cantando a História", entretanto essa produção vem permeada por toques apaixonados de uma educadora-historiadora.

“O tempo não para”, e conforme se movimento nos transforma, esse é o sentido da vida, perceber o movimento e não ficar alheio a ele. A meu ver esse é o sentido da História, ou seja, perceber o movimento do ser humano em sua atuação sobre o Planeta Terra.
Numa sociedade em constante movimento é louvável que se resgate a História de nosso país para as novas gerações. Desta forma a música é uma maneira fantástica de expressar a História do romantismo de “Jura” à contemporaneidade de “Parabolicamará”, nossa História sempre foi marcada pela sensibilidade daqueles que, habilmente, colocaram em letra e melodia o momento em que viviam, mesmo sem saber, pintavam com suas músicas o retrato, ora preto e branco, ora colorido, de uma época que passou, mas muito responsável pelo que somos hoje.

No início do século XX e da República no Brasil, reinava no Carnaval, nos teatros de revista e nos discos, José Barbosa da Silva, o Sinhô. O samba era ainda muito próximo de outro ritmo afrodescendente, o maxixe, ideal para se dançar a dois. As manifestações culturais africanas eram muito reprimidas pela polícia e portar violão era motivo para que o sujeito fosse preso pela polícia.

No final de década de 20, morria Sinhô e nascia a primeira escola de samba do Brasil, a Deixa Falar, fundada por Ismael Silva. A solução rítmica para que o samba orientasse os desfiles nas ruas foi a incorporação de dois instrumentos de percussão: o surdo e o tamborim. A temática preferencial das letras desse novo samba era a figura do malandro carioca.

JURA
Jura
Jura, jura pelo Senhor
Jura
Pela imagem
da Santa Cruz do Redentor
pra ter valo
a tua jura
Jura, jura de coração
Para que um dia
Eu possa dar-te o meu amor
Sem mais pensar na ilusão

Daí então dar-te eu irei
Um beijo puro na catedral
Do amor
Dos sonhos meus
Bem junto aos teus
Para sentirmos as emoções do amor

Sinhô
SE VOCÊ JURAR
Se você jurar que me tem amor
Eu posso me regenerar
Mas se é para fingir, mulher
A orgia assim não vou deixar

Muito tenho sofrido
Por minha lealdade
Agora estou sabido
Não vou atrás de amizade
A minha vida é boa
Não tenho em que pensar
Por uma coisa à toa
Não vou me regenerar

A mulher é um jogo
Difícil de acertar
E o homem como um bobo
Não se cansa de jogar
O que eu posso fazer
É se você jurar
Arriscar a perder
Ou desta vez então ganhar

Ismael Silva/Francisco Alves/Nilton Bastos

Ao mesmo tempo que se processava uma revolução no samba, em 1930, acontecia a Revolução que faria com que Getúlio Vargas pusesse fim à chamada República do Café com Leite em que as oligarquias rurais paulistas e mineiras se revezavam no poder. Vários compositores brancos de classe média aderiram ao samba de Ismael Silva, Noel Rosa, por exemplo, compôs, com Vadico, estes versos sobre melodia, que deixam clara a mudança no panorama político: São Paulo dá café, Minas dá leite e a Vila Isabel dá samba.

Um dos grandes pilares do regime de Getúlio Vargas foi a radiodifusão. Brilharam várias cantoras do rádio. Dentre elas, Emilinha Borba, que surgiu estimujlada por Carmem Miranda, a “Embaixatriz da Boa Vizinhança”. Nesta marchinha de carnaval gravada em 1949, Braguinha ( João de Barro) brinca com o existencialismo francês, que influenciou a cultura mundial pós-guerra. No Brasil, essa influência gerou as tristes canções de dor-de-cotovelo que imperavam no rádio o ano inteiro. As alegres marchas, com esta, ficavam confinadas aos quatro dias de carnaval.

FEITIÇO DA VILA
Quem nasce lá na Vila/ Nem sequer vacila
Ao abraçar o samba
Que faz dançar os galhos do arvoredo
E faz a lua nascer mais cedo
Lá em Vila Isabel/Quem é bacharel
Não tem medo de samba
São Paulo dá café/Minas dá leite
E a Vila Isabel dá Samba,

A Vila tem um feitiço sem farofa
Sem vela e sem vintém/ que nos faz em
Tendo nome de princesa
Transformou o samba num feitiço decente
Que prende a gente
O sol da Vila é triste/ Samba não assiste
Porque a gente implora:
Sol pelo amor de Deus não venha agora
Que as morenas vão logo embora...

Eu sei por onde passo/sei tudo que faço
Paixão não me aniquila
Mas tenho que dizer, modéstia à parte
Meus senhores eu sou da Vila!

Noel Rosa/Vadico
CHIQUITA BACANA
Chiquita Bacana
lá da Martinica
Se veste com uma casca
de banana nanica

não usa vestido
não usa calção
inverno pra ela
É pleno verão
Existencialista
Com toda razão
Só faz o que manda
O seu coração.

João de Barro/Alberto Ribeiro


O regime de Getúlio Vargas, por meio do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), promovia canções ufanistas de exaltação à pátria. Ary Barroso era um dos maiores expoentes desse tipo de música. A grande intérprete dessas canções era Carmem Miranda. Por problemas de cachê Ary foi substituído por um jovem compositor baiano cujos versos seriam imortalizados pela “Pequena Notável”. Dorival Caymmi, inclusive, além das canções, sugeriu vários ingredientes do indefectível figurino de Carmem Miranda.

A Bossa Nova veio pôr fim ao “baixo astral” da dor de cotovelo do pós-guerra. Não havia mais motivo para a tristeza: o Brasil vivia um período democrático, ganha a Copa do Mundo, a tenista Maria Esther Bueno era bicampeã do torneio tênis de Wimbledon. A batida de violão de João Gilberto, somada à melodia de Tom Jobim e à poesia de Vinícius de Moraes, colocava a música brasileira como produto de exportação. O centro histórico desse período foi o governo Juscelino Kubitschek.

O SAMBA DA MINHA TERRA
Samba da minha terra
Deixa a gente mole
Quando se canto todo mundo bole
Quem não gosta de samba
Bom sujeito não é
É ruim da cabeça
Ou doente do pé
Eu nasci com o samba
No samba me criei
E do danado do samba
Nunca me separei

Dorival Caymmi
O PATO
O pato vinha cantando alegremente, quen, quen
Quando um marreco sorridente pediu
Para entrar também no samba
O ganso
Gostou da dupla e fez também quen, quen
Olhou pro cisne
E disse assim “vem, vem”
Que o quarteto ficará bom
Muito bom, muito bem
Na beira da lagoa foram ensaiar
Para começar o tico-tico no fubá
A voz do pato era mesmo desacato
Jogo de cena com o ganso era mato
Mas eu gostei do final
Quando caíram na água
Ensaiando o vocal

Neusa Teixeira/Jaime Silva

O período em que o Brasil viveu sob democracia e liberdade e que justificava as letras da Bossa Nova foi muito curto entre duas ditaduras. Com o golpe de 1964, muitos artistas egressos da Bossa Nova entenderam que não havia mais clima para cantar barcos, patos e namoradas. A música tornou-se apenas “pretexto para o protesto”. Para dizer não ao regime militar

O teatro de operações para a batalha que se travava entre os adeptos da Música de Protesto, da Jovem Guarda e do Tropicalismo foram os festivais da canção. “Ponteio” venceu o festival da TV Record de 1967, superando Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil.
DISPARADA
Prepare o seu coração pras coisas que eu vou contar
Eu venho lá do sertão, eu venho lá do sertão
Eu venho lá do setão e posso não lhe agradar
Aprendi a dizer não, ver a morte sem chorar
A morte, o destino, tudo, a morte e o destino, tudo
Estava fora do lugar, eu vivo pra consertar
Na boiada já fui boi, ma um dia me montei
Não por um motiva meu, ou de quem comigo houvesse
Que qualquer querer tivesse, porém por necessidade
Do dono de uma boiada cujo vaqueiro morreu
Boiadeiro muito tempo, laço firme e braço forte
Muito gado, muita gente, pela vida segurei
Seguia como num sonho, e boiadeiro era um rei
Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo
E nos sonhos que fui sonhando, as visões se clareando
As visões se clareando, até que dia acordei
Então não pude seguir valente em lugar tenente
E o dono de gado é gente, porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata, mas com gente é diferente
Se você não concordar não posso me desculpar
Não canto pra enganar, vou pegar minha viola
Vou deixar você de lado, vou cantar noutro lugar
Na boiada já fui boi, boiadeiro já fui rei
Não por mim nem por ninguém, que junto comigo houvesse
Que quisesse ou que pudesse, por qualquer coisa de seu
Por qualquer coisa de seu querer ir mais longe do que eu
Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo
E já que um dia montei agora sou cavaleiro
Laço firme e braço forte num reino que não tem rei
Geraldo Vandré/Théo de Barros

PONTEIO
Era um, era dois, era cem
Era o mundo chegando e ninguém
Que soubesse que eu sou violeiro
Que me desse o amor ou dinheiro
Era um, era dois, era cem
Vieram pra me perguntar
Ô você: - de onde vai, de onde vem?
Diga logo o que tem pra contar
Parado no meio do mundo
Senti chegar meu momento
Olhei pro mundo e nem via
Nem sombra, nem sol, nem vento
Que me dera agora eu tivesse a viola pra cantar
Era um dia, era claro, quase meio
Era um canto calado, sem ponteio
Violência, viola, violeiro
Era a morte ao redor, mundo inteiro
Era um dia, era claro, quase meio
Tinha um que jurou me quebrar
Mas não lembro de dor nem receio
Só sabia da ondas do mar
Jogaram a viola no mundo
Mas fui lá no fundo buscar
Se eu tomo a viola, ponteio
Meu canto não posso parar, não
Quem me dera agora eu tivesse a viola pra cantar
Era um, era dois, era cem
Era um dia, era claro, quase meio
Encerrar meu cantar, j´[a convém
Prometendo um novo ponteio
Certo dia que sei por inteiro
Eu espero não vá demorar
Esse dia estou certo que vem
Digo logo que vem pra buscar
Correndo no meio do mundo
Não deixo a viola de lado
Vou ver o tempo mudado
E um novo lugar pra cantar
Quem me dera agora eu tivesse a viola pra cantar
Edu Lobo/Capinam

Com a popularização da televisão, os lares brasileiros foram invadidos por uma legião de jovens artistas comandado por Roberto Carlos. Era a Jovem Guarda. Os requebros de Elvis Presley e os cabelos compridos dos Beatles e Rolling Stones ganharam versão brasileira: yeah, yeah, yeah virou iê-iê-iê. Aos adeptos da canção de protesto causavam ojeriza as guitarras elétricas e demais instrumentos plugados na tomada vistos como símbolo da alienação e subserviência ao imperialismo norte americano. Em São Paulo, chegou a acontecer uma passeata contra as guitarras na música brasileira.

Entre o não e o iê-iê-iê, surgiu o muito pelo contrário. Inspirados pela Antropofagia Cultural do poeta Oswald de Andrade, os artiistas da Tropicália entendiam que não havia problema algum em se incorporarem guitarras e ritmos estrangeiros à música brasileira desde que se despejasse tudo em um caldeirão de cultura em que essas influências fossem devoradas e misturada à arte brasileira em uma grande geléia geral.

O BOM
Ah! Meu carro é vermelho
Não uso espelho pra me pentear
Botinha sem meia
E só na areia eu sei trabalhar
Cabelo na testa sou o dono da festa
Pertenço aos dez mais
Se você quiser experimentar
Sei que vai gostar
Quando eu apareço
O comentário é geral
Ele é o bom é o bom demais
Ter muitas garotas pra mim é normal
Ele é o bom entre os dez mais.

Carlos Imperial

TROPICÁLIA
Sobre a cabeça os aviões
Sob os meus pés os caminhões
Aponta contra os chapadões, meu nariz
Eu organizo o movimento
Eu oriento o carnaval
Eu inauguro um monumento
No planalto Central do país
Viva a bossa sa as
Viva a palhoça ç aça ça...
O monumento é de papel crepom e prata
Os olhos verdes da mulata
A cabeleira esconde atrás da verde mata o luar do sertão
O monumento não tem porta
A entrada é uma rua antiga,
Estreita e torta
E no joelho uma criança sorridente,
Feia e morta
Estende a mão
Viva a mata ta ta
Viva a mulata ta ta ta
No pátio interno há uma piscina
Com água azul de Amaralina
Coqueiro, brisa e fala nordestina
E faróis
Na mão direita tem uma roseira
Autenticando eterna primavera
E no jardim os urubus passeiam
A tarde inteira
Entre os girassóis...
Viva Maria ia ia
Viva a Bahia ia ia ia...
No pulso esquerdo o bang bang
Em suas veias corre muito pouco sangue
Mas seu coração
Balança a um sambe de tamborim
Emite acordes dissonantes
Pelos cinco mil alto-falantes
Senhoras e senhoer
Ele põe os olhos grandes sobre mim
Viva Ipanema ma ma ma...
Domigo é o fino-da-bossa
segunda-feira está na fossa
terça-feira vai a roça
prém, o monumento
é bem moderno
não disse nada domodelo do meu terno
que tudo mais vá pro inferno meu bem
que tudo mais vá pro inferno meu bem
viva a banda da da
Carmem Miranda da da da da

Caetano Veloso
O regime militar se acirrou muito depois do AI-5, em dezembro de 1968. Muitos brasileiros foram presos, torturados, mortos e exilados. Em exílio voluntário no início dos anos 70, Chico Buarque rompeu com a imagem de bom moço. De volta ao Brasil, especializou-se na arte de dobrar a censura. Em parceria com Francis Hime, em 1976, compôs esta homenagem ao dramaturgo e amigo Augusto Boal, exilado involuntariamente em Portugal.

Com a anistia os presos e exilados políticos e o pluripartidarismo, o Brasil dos anos 80 marca o fim do regime militar e a luta pelas eleições direta. A trilha sonora que vai cantar esse príodo da chamada Nova República é o pop-rock nacional. Compositores que cresceram durante a ditadura militar passam a gozar de uma liberdade de expressão e não economizam preocupações políticas em suas letras. Essa “Geração coca-cola”, o BRrock, ganhou o mercado fonográfico nacional. Roqueiro brasileiro deixou de ter cara de bandido e redimiu a guitarra.

MEU CARO AMIGO
Meu caro amigo me perdoe, por favor
Se eu não lhe faço uma visita
Mas como agora apareceu um portador
Mando notícias nessa fita
Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock in roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui ta preta
Muita mutreta pra levar a situação
Que a gente vai levando de teimoso e de pirraça
E a gente vai tomando, que também, sem cachaça
Ninguém segura esse rojão
Meu caro amigo eu não pretendo provocar
Nem atiçar suas saudades
Mas acontece que não posso me furtar
A lhe contar as novidades
Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock in roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui ta preta
É pirueta pra cavar o ganha-pão
Que a gente vai levando só de birra só de sarro
E a gent vai fumando que ,também, sem um cigarro
Ninguém segura esse rojão
Meu caro amigo eu quis até telefonar
Mas a tarifa não tem graça
Eu ando aflito pra fazer você ficar
A par de tudo que se passa
Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock in roll
Uns dias chove, noutros dias bvate sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui ta preta
Muita careta pra engolir a transação
E a gente ta engolindo cada sapo no caminho
E a gente vai se amando que, também, sem um carinho
Ninguém segura esse rojão
Meu caro amigo eu bem queria lhe escrever
Mas o correi andou arisco
Se me permitem, vou tentar lhe remete
Notícias frescas nesse disco
Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock in roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol
Mas o que eu quero lhe dizer que a coisa aqui ta preta
A Marieta manda um beijo para os seus
Um beijo na família, na Cecília e nas crianças
O Francis aproveita pra também mandar lembranças
A todo o pessoal
Adeus
Chico Buarque/Francis Hime

BRASIL
Não me convidaram
Pra essa festa pobre
Que os homens armaram pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada antes de eu nascr
Não me ofereceram
Nem um cigarro
Fiquei na porta estacionado os carro
Não me elegeram
Chefe de nada
O meu cartão de crédito é uma navalha
Brasil
Mostra tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim
Não me convidaram pra essa festa pobre
Que os homens armaram pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada antes de eu nascr
Não me sortearam
A garota do “fantástico”
Não me subornaram
Será que o meu fim
Ver TV a cores
Na taba de um índio
Programada pra só dizer sim, sim
Grande pátria desimportante
Em nenhum instante
Eu vou te trair
(não vou te trair)

Cazuza/Jorge Israel/Nilo Romero

Na última década do século, o brasileiro foi às ruas exigir o impeachment de Fernando Collor e elegeu duas vezes Fernando Henrique Cardoso. A relação entre FHC e Chico Buarque é muito antiga. O presidente fora aluno do pai do compositor, Chico por sua vez, apoiou as candidaturas de Fernando Henrique ao senado em 1978 e à prefeitura de São Paulo em 1985. já presidente pela segunda vez, em entrevista a uma publicação portuguesa sobre cultura lusófona, Fernando Henrique enalteceu Caetano Veloso, que o apoiara publicamente em 94 e depreciou Chico Buarque, que apoiara Lula em 94 e 98. Embora Chico negue, como sempre, este samba pode ser lido como uma resposta à injúria do presidente.

No final do século XX, ganha extrema importância a informática, com a popularização do PC (computador pessoal) e da rede mundial de computadores, a Internet. A reboque, entram no vocabulário brasileiro uma série de estrangeirismos, notadamente os de língua inglesa, satirizados nesta canção de Zeca Baleiro, representante de uma nova geração de herdeiros da nossa tradição trovadoresca.

INJURIADO
Se eu só lhe fizesse o bem
Talvez fosse um vício a mais
Você me teria desprezo por fim
Porém não fui tão imprudente
E agora não há francamente
Motivo pra você me injuriar assim
Dinheiro não lhe emprestei
Favores nunca lhe fiz
Não alimentei o seu gênio ruim
Você nada está me devendo
Por isso meu bem, não entendo
Porque anda agora falando de mim
Dinheiro não lhe emprestei...

Chico Buarque
SAMBA DO APPROACH
Venha provar meu brunch
Saiba que eu tenho approach
Na hora do lanche
Eu ando de ferry boat
Eu tenho savoir-fair
Meu temperamento é light
Minha casa é high tech
Toda hora rola um insight
Já fui fã do Jethro Tull
Hoje me amarro no Slash
Minha vida agora é cool
Meu passado é que foi trash
Fica ligada no link
Que eu vou confessar my love
Depois do décimo drink
Só um bom e velho Engov
Eu tirei meu Green Card
E fui pra Miami Beach
Posso não ser pop star
Mas já sou um noveau rich
Eu tenho sex-appeal
Saca só meu background
Veloz com Damon Hill
Tenaz com Fittipaldi
Não dispenso um happy end
Posso jogar no dream team
De dia um macho man
E de noite drag queen

Zeca Baleiro
A globalização é um tema que toma conta do debate no final do século XX e começo do XXI. A interligação instantânea e a integração comercial e cultural dos mais longínquos rincões do planeta geram inclusão por um lado e a exclusão de milhões de seres humanos em países pobres, por outro. Em termos nacionais, a grande questão que se coloca ao Brasil é que tipo de inserção nos mercados globais o aguarda: uma inserção soberana e justa ou uma inserção subserviente e colonizada?

PARABOLICAMARÁ
Antes mundo era pequeno
Porque terra era grande
Hoje mundo é muito grande
Porque Terra é pequena
Do tamanho da antena Parabolicamará
Ê, volta do mundo, camará
Ê-ê, mundo dá volta, camará
Antes longe era distante
Perto só quando dava
Quando muito ali defronte
E o horizonte acabava
Hoje lá trás dos monte, den de casa, camará
De jangada leva uma eternidade
De saveiro leva uma encarnação
Pela onda luminosa
Leva o tempo de um raio
Tempo que levava Rosa
Pra aprumar o balaio
Quando sentia que o balaio ia escorregar
Esse tempo nunca passa
Não é de ontem nem de hoje
Mora no som da cabeça
Nem ta preso nem foge
No instante que tange o berimbau, meu camará
De jangada leva uma eternidade,
De saveiro leva uma encarnação
De avuão, o tempo de uma saudade
Esse tempo não tem rédea
Vem nas asas do vento
O momento da tragédia
Chico, Ferreira e Bento
Só souberam na hora do destino apresentar